domingo, 1 de maio de 2011

Não adianta fugir

Tapar o sol com a peneira, fazer de conta que nada aconteceu, ignorar só para não ter que se manifestar ou para poupar alguém de uma reação mais contundente são maneiras de esquivar-se. Também compactuo da ideia de que se deve dar ênfase às coisas positivas e não se deve privilegiar o negativo. Mas fingir que não existe, me parece uma atitude temerária de quem não quer se dar ao trabalho de aprender a lidar com o problema ou encarar uma situação difícil. A sujeira escondida debaixo do tapete continua existindo, só não é vista. Aquilo que se teima em ignorar, um dia bate de frente com nossa cara. Então, muitos fatos que nos causam medo, pavor, nojo, tristeza ou ameaça são deletados sem a necessária elaboração, excluídos de nossa apreciação sem maiores cerimônias. Que o digam os psicólogos acostumados a tratar pacientes com traumas adquiridos na infância ou em qualquer fase da vida, apenas porque não tiveram tempo ou condições de vivenciar adequadamente a situação.
A vida não é toda cor de rosa. Antes fosse. Mas ela pode ter as cores que nossa motivação lhe confere. Não se trata de amargura, mas de encarar com certo realismo os acontecimentos ou fatos da vida. E a partir daí ter disposição para traçar uma estratégia de solução. De um evento negativo, um fracasso ou uma derrota é possível nascer outro caminho, tirar forças e lições preciosas para um recomeço. Sem falar que podemos direcionar o rumo de nossos pensamentos para aquilo que, de fato, virá a beneficiar nossa existência.
O otimismo não tem nada a ver com fingimento. Otimismo é uma postura real diante da vida, embasada na correta percepção da realidade e nas decisões que se toma ao optar por atitudes que se sustentam, apesar de todo infortúnio que possa existir.

sábado, 23 de abril de 2011

Os sinos dobram por nós

Transcrevo dois textos que li em diferentes momentos e que apresentam duas realidades. Encontrei-os, recortados e bem guardados, e quando os li novamente, com o olhar amadurecido pelo tempo, percebi o quanto tinham em comum, na medida em que tratam da solidão humana sob ângulos opostos, mas nem por isso impossível de encontrar entre eles um elo que nos faça refletir sobre a nossa natureza humana.
Primeiro texto: “Vivemos, agimos e reagimos uns com os outros; mas sempre e sob quaisquer circunstâncias, existimos a sós. Os mártires penetram na arena de mãos dadas; mas são crucificados sozinhos. Abraçados, os amantes buscam desesperadamente fundir seus êxtases isolados em uma única auto transcendência; debalde. Por sua própria natureza, cada espírito, em sua prisão corpórea, está condenado a sofrer e gozar em solidão. Sensações, sentimentos, concepções, fantasias – tudo isso são coisas privadas e, a não ser através de símbolos, e indiretamente, não podem ser transmitidas.” (Aldous Huxley, em As portas da percepção e céu e inferno).
Segundo texto: “Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra. Se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso, não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.” (John Donne, no livro Por Quem os Sinos Dobram).
E daí que: Já dizia o poeta Mário Quintana, “viajar é mudar o cenário da solidão”. E é. Nascemos sós e morremos sós. No meio disso nos iludimos de que estamos acompanhados. De fato, podemos até estar, mas isso não nos retira da solidão. O único diálogo verdadeiro é aquele que temos com o nosso eu. As maiores batalhas que travamos são interiores. Das janelas da alma, vemos tudo e tudo percebemos. E a partir daí, interagimos. Então, trocamos solidões. E ao trocar solidões encontramos o nosso semelhante. No semelhante vislumbramos nossa própria vida e descobrimos o quanto estamos interligados pelo simples fato de existirmos. E que cada ato nosso, ação ou reação vem a influenciar quem está ao nosso lado. Influenciando, somos responsáveis...

Deus existe no jornalismo

Sabem o horário de verão? Aquele que quando inicia você adianta o relógio e quanda termina você atrasa o mesmo relógio? Pois é. Em outubro, quando começou o horário de verão, toda a mídia noticiou e, nós do Jornal A Opinião também. Por isso, nada mais justo que, em fevereiro fazer menção ao término do mesmo. E coube a mim, na qualidade de estagiária, fazer o texto, curto, mas informativo. E foi o que fiz: bem suscinto, anunciando o término do horário de verão à meia noite do sábado que se seguia àquela edição do jornal. Inclusive antes de sair, vi o Jorge, nosso diagramador nota 10, colocar um reloginho estilizado para ilustrar. No dia seguinte, sexta-feira, de manhã quando o nosso jornal já devia estar saindo da prensa, ao assistir o telejornal matinal, ouvi a apresentadora dizendo: “termina amanhã o horário de verão; atrase seu relógio em uma hora”. Quase enfartei. Ela disse “atrase” e eu havia colocado “adiante seu relógio em uma hora”. Quis morrer, fugir, viajar para qualquer lugar do mundo onde não houvesse horário de verão. Imaginem que gafe na primeira página do jornal (ou era na segunda, já nem lembrava), que fiasco! Logo naquela edição que estava tão boa. E logo na semana que eu havia discutido sobre o assunto “correção de textos” com uma amiga, afirmando-lhe, garantindo-lhe que corrigíamos tudo, que cuidávamos muito para não ter erros. Bem feito pra mim. Quem manda não questionar as certezas (eu nunca tivera dúvidas quanto aos respectivos adiantar/atrasar, foi a hora da bobeira)... Liguei pro Martins, o diretor do jornal, relatando o ocorrido, na esperança de que após a minha saída, alguém tivesse visto e corrigido o erro, ao que ele tranquilamente me respondeu: “te confesso que não reparei... Mas não esquenta!” Ai! Isso queria dizer que o “adiante seu relógio” estaria lá. E como não esquentar? Paciência, o que não tem remédio, remediado está, pensei, já antevendo que meu futuro jornalístico estava comprometido. Quando o jornal chegou, perto do meio dia, encontrei o distribuidor Paulo e quase arranquei um exemplar de suas mãos, enquanto lhe contava o motivo da minha aflição. Mas, pasmem, não tinha nada. Nem “adiante”, nem “atrase” e nem relógio. Folhei todo o jornal, em busca do que me faria desaparecer de vergonha, e não encontrei. Explicação lógica: depois que eu saí da redação, entrou uma matéria de últissima hora e como não havia mais espaço, simplesmente substituíram o “informativo” do horário de verão, pela bendita notícia. Explicação ilógica, talvez surreal, mas verdadeira: o meu Anjo da Guarda estava mais atento do que eu e providenciou a correção de uma forma radical, mas coerente: antes não sair nada, do que sair errado. E eu, me dei conta de duas coisas: uma, que errar é humano. A gente erra sim, por mais que se queira acertar, às vezes acontece e isso serve para que aprendamos... E a outra, apenas confirmei: que Deus existe, também no jornalismo, e às vezes nos tira do sufoco. E, pelas vezes que não tira, nos resta apenas pedir desculpas pela falha.

domingo, 3 de abril de 2011

Minha teoria sobre novelas

Porque nos envolvemos tanto? Baseando-me na observação e no sentimento, percebo que ao assistir novelas temos a ilusão de que alguém poderia escrever um enredo com final feliz só para nós... Comparamos situações e sempre encontramos alguém parecido com alguém que conhecemos ou conosco mesmo, alguma coisa semelhante com algo que já nos aconteceu, algum personagem que nos lembra de alguém... Jurei várias vezes que não iria mais assistir novelas. (Agora, até estou cumprindo.) Só que quando via, lá estava eu, me identificando com algum personagem e isso me levava a assistir só mais um capítulo e assim ia até o último. É uma sensação de poder comparar e definir comportamentos, ou acompanhar o desfecho de uma história que, talvez, pudesse ser a nossa. Uma fantasia que nos faz esperar uma resposta, uma sugestão para nossa própria vida... Quem sabe se eu agir assim, o resultado será aquele da novela também? Perdoem-me, mas mesmo com todo esse estardalhaço em torno dos folhetins, quem escreve novela, entende pelo menos um pouco da natureza humana e sabe como sensibilizar as pessoas. Estuda comportamentos e posicionamentos. A diferença é que nas novelas tem uma única mente, uma única inteligência, dirigindo tudo, mudando o destino dos personagens a seu bel prazer. Ou ao sabor da audiência, o que é mais provável. Assim, se um comportamento desagrada o público, é fácil mudar. Basta reescrever o capítulo e mudar o rumo da história. Na vida não é assim. Quantas vezes enfrentamos situações difíceis de conduzir, onde não basta apenas a vontade de uma das partes envolvidas para solucionar o problema. Quantas vezes temos a chance de “reescrever” o que vivemos? A vida real muitas vezes apresenta apenas uma hipótese, sobre a qual devemos nos adaptar ou buscar outro caminho. Pressupõe um acordo de vontades, ou se não há acordo, pode ocorrer um rumo não desejado à história. Porém, sempre muito mais do que uma simples mudança de roteiro de uma hora para outra. Atente-se para o fato de que as novelas instigam, muitas vezes, ou pelo menos mostram como normais alguns comportamentos que são completamente contrários a nossos princípios, mas que assim vistos na telinha podem parecer triviais e até desejáveis. Acredito que, se tivéssemos oportunidade de viver algumas histórias contadas nas novelas, nos daríamos conta de que nossas vidas reais tem muito mais emoção e mais situações interessantes do que todo o espetáculo feito para nos distrair de nossos verdadeiros sentimentos e convicções.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Baú de fotografias

Quase todo mundo tem, se não for um baú, uma caixinha bem guardada com fotos de tempos antigos, onde o registro fotográfico era muito mais do que uma simples distração. Com as câmeras digitais à nossa disposição, a nova geração não sabe muito bem o que significa segurar entre as mãos um pedaço de papel contendo uma parte de nossa vida que ficou pra trás. E folhar álbuns de recordação onde as cores desbotadas dão o tom de nossas lembranças é algo até curioso. Vou propor uma experiência. Quer dizer, é mais um exercício do que uma experiência. Tente procurar e encontrar a sua foto mais antiga. Pode ser uma foto de quando você era criança. Olhe bem para ela, converse com a foto. E pergunte a você mesmo, o que estaria pensando aquela pessoa da foto se visse você hoje, em todo o contexto em que se encontra. Eu fiz isso e posso dizer que foi interessante. Encontrei uma caixa de fotos bem amareladas, que trouxeram de volta imagens de minha infância. Como tenho boa memória, não foi difícil me localizar nos contextos das épocas retratadas. Claro, não se pode exigir que todos se lembrem do que se passava há vinte, trinta anos atrás. Mas o exercício é você se comparar (sim, porque não?) àquela pessoinha que você era há tanto tempo e fazer, então, a perguntinha fatal: será que eu estaria feliz comigo mesmo, naquela ocasião, sabendo que seria hoje o que sou? E antes que queiram me internar de vez, explico melhor. É que um dia desses, recebi uma mensagem daquelas que circulam na internet, abordando a vida do escritor português José Saramago, com trechos de suas obras e algumas citações. Lá pelas tantas, há uma frase dele que diz assim: “Tentei não fazer nada na vida que envergonhasse a criança que fui”. Quem sou eu para interpretar Saramago... Mas me veio à mente, na questão das fotos, esta frase que me fez pensar justamente naquilo que nos tornamos com o passar do tempo e no tanto de fidelidade que guardamos com aquela criança, que com certeza vive dentro de nós.

domingo, 13 de março de 2011

Nem na frente, nem atrás!

Há algum tempo se dizia que por trás de um grande homem, sempre havia uma grande mulher, querendo mostrar que ela lhe dava todo o suporte necessário para que tivesse sucesso na vida. Depois, com a invasão de mulheres no mercado de trabalho, na política e em todas as atividades possíveis e imagináveis, começou a se dizer que a mulher não estava mais por trás do sucesso masculino, mas que já havia passado à sua frente. O século XXI veio mostrar que o verdadeiro lugar da mulher não é nem na frente, nem atrás do homem, mas solenemente ao seu lado. Não falo de sentimentalismos. É de igualdade mesmo que estou falando. Esperneie e grite quem quiser, mas é um fato. Não há mais espaço para disputas entre os sexos. A mulher e o homem se completam. É a energia yin com a energia yang, para quem sabe o que é isso. O positivo e o negativo que se encontram para harmonizar. Um olhar diferente sobre as mesmas coisas, mas que ao invés de diminuir, vem a somar. É preciso entender isso, senão o ranço do passado, não vai deixar de ser passado. Sem dúvida, ainda há muitos lugares e situações que estão distantes desse ideal. E como! Há todo um conjunto de regras que ainda persiste entre homens e mulheres, mas a grande diferença é que o respeito humano está começando a prevalecer. Basta compararmos a vida de mulheres que se criaram no século passado com a nossa vida, hoje. E compararmos a postura dos homens diante das mulheres, hoje. E aqui falo de homens com “H”. As legislações mais modernas, entre as quais a do Brasil atribui o poder familiar de maneira igualitária. E não é só questão de família. Nas frentes de trabalho de qualquer natureza, a importância da mulher é reconhecida e aclamada. Na sociedade, no dia a dia, a união faz a força. A mulher é um ser humano, tanto quanto o homem. Esse é o grande segredo. Portanto, nem submissa, nem acima e nem contra o homem. Apenas ao lado.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Verdades de mentirinha

Quem já não respondeu com um automático “tudo bem” à também automática pergunta “oi, tudo bem?” Temos ainda as variantes: “se melhorar estraga”, “tudo joia”, “vai se levando...” Ok, é uma simples saudação; a pessoa que cumprimenta a outra precisa dizer alguma coisa cordial e esta introdução de perguntas e respostas é quase perfeita. Só para ilustrar, eu também faço isso. Ocorre que o perguntador nem sempre quer saber com detalhes, se tudo está bem mesmo com o interrogado. E a pessoa que responde, nem sempre está disposta a esmiuçar o porquê de não estar “tudo bem”, caso não esteja. Deste jeito, vamo-nos habituando a pequenas invenções, apenas para manter uma sociabilidade. O perigo reside no “automático”. Em fazer as coisas só por fazer, não se aprofundando ou não dando a mínima para se o outro está ou não em dificuldades. “Problemas? Já tenho os meus.” Então, ouvimos e sorrimos, ou sorrimos sem ouvir e a vida segue. Quantas vezes deixamos que o piloto automático, a falta de tempo ou de paciência conduzam nossos diálogos. É custoso parar um minuto e desenvolver um assunto que não seja quantificado: Que horas são? Quantos dias faltam? Quando é que aconteceu? Quanto custa? A resposta a estas perguntas pressupõe uma rapidez e uma exatidão que impedem o avançar dos diálogos. No máximo quer se obter as informações. O resto é “conversa”... O indefectível “será que vai chover?”, ainda rende alguma comunicação, superficial que seja, mas rende.
É que o “como se sente?”, “o que você acha?” e “qual a sua opinião sobre o assunto?” exigem tempo. Um tempo de que não dispomos, pois tudo é urgente. Tempo é um artigo precioso. Tempo é dinheiro e é valioso demais para que seja aproveitado com pormenores, com explicações ou atenções demasiadas. Muito menos com divagações. Será verdade? E aquela conversa despretensiosa, relaxante e porque não dizer gostosa, ainda existe? A expressão “jogar conversa fora” tem sido levada ao pé da letra e ninguém quer perder nada, muito menos tempo. Mas ao ganharmos tempo, perdemos amizades. Perdemos oportunidades de nos enxergarmos como pessoas e não como máquinas. Perdemos a chance de viver, pois nem tudo na vida são respostas a quesitos preestabelecidos. Há respostas que demandam olhar para dentro de si. Principalmente as mais verdadeiras.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Um livro não lido

Uma história que não aconteceu. Um livro fechado é uma porta da vida que não se abriu. A possibilidade que ficou na expectativa. Aquilo que ficou guardado sem coragem de ganhar vida. Algo que não teve a chance de se dar a conhecer. O livro traz latente o sentimento, a ação, um mundo diferente que se descortina a partir da imaginação. Mas não lido, ninguém saberá. Nunca. A viagem abortada, o encontro impossível, o mergulho não acontecido, experiência desconhecida. Certas vidas são assim. Não se deixam viver, não se relacionam com o mundo, com as outras pessoas. Permanecem fechadas em si mesmas, páginas não lidas de um livro indecifrável. E deixam de viver riquezas, deixam de se alegrar com coisas simples. Uma vida não vivida é um livro não lido. Aventuras, novas situações, talvez difíceis, mas movimentos que dariam a chance de desfrutar algo diferente. Verdades que não se quer encarar, desafios que se teme enfrentar. Não se sabe o que contem as páginas de um livro fechado, nada se sabe de uma vida que não se deixou acontecer.

A mais bela flor

Tem uma casinha em uma esquina da praia de Presidente que é a coisa mais fofa do mundo. Nela mora um senhor de seus setenta e tantos anos ou talvez mais. Mora de vez em quando, no verão. Seguidamente fica sentado, à frente da casa, tomando seu chimarrão, quase sempre sozinho. Às vezes, uma ou outra pessoa, talvez um neto ou um amigo lhe faça companhia. Mas muito raramente. Em anos passados, ele era visto todo arrumado, banho tomado, cabelo penteado e roupa no capricho, saindo em seu carrinho, quem sabe para ir dançar em algum baile da melhor idade. Muitas filhas de mães viúvas olhavam para o velho senhor, com o olho esticado: “bem que seria uma boa companhia para minha mãe...” Neste ano, antes de sua chegada à praia, a casa e o terreno estavam meio descuidados. Por um bom tempo, tudo fechado, o mato tomando conta. De repente, a grama apareceu cortada, as árvores podadas, a cerca foi refeita, a casa pintada e o jardinzinho bem cuidado. Ele sempre teve o costume de pintar flores na casa (é, flores). Desta vez, porém, pintou a casa de cores neutras e flores (muitas flores) na parede do muro alto que fica em um dos lados da morada. Entre o colorido das flores pintadas no muro, deixou uma parte sem desenhos e escreveu em letras quase garrafais: “Tu és a mais bela dentre todas essas flores.” Uau! Isso chamou a atenção dos que passavam por ali em direção da praia. O velhinho está apaixonado – era esse o comentário, entre sorrisos, de quem olhava todo o capricho daquele pedacinho de chão. Ou estaria ele passando uma “cantada” em alto estilo em todas as mulheres que transitavam por ali? Sim, porque ele continuava a tomar seu mate solito. Apenas notava-se que não se descuidava do trato pessoal, sempre bem ajeitadinho, alinhado que dava gosto. Um dia de manhã, ao voltar da caminhada à beira mar, percebi que, em frente àquela casa, uma vendedora de toalhas conversava com duas pessoas. Uma delas, o velho senhor. Junto dele, lá estava ela: “a mais bela flor” tinha chegado. Uma senhora também já entrada em anos, de uma delicadeza e de uma singeleza de sensibilizar o coração mais endurecido... Um jeito de quem sabe o que a vida ainda pode lhe oferecer, uma dignidade e ao mesmo tempo um ar de sapeca se misturavam naqueles semblantes matinais... Se o amor existe na terceira idade, era ali que estava morando naquele momento. Tudo fez sentido, de repente. A preparação, as flores, a mensagem, a espera, a chegada da bem amada e aquela alegria estampada no olhar de ambos. Não pude deixar de voltar, depois, e retratar essa imagem, que elegi como uma das mais lindas declarações de amor que alguém já fez. Linda, porque singela... Gravada na simplicidade de um muro, com traços feitos de esperança, na intenção de saudar aquela que viria para alegrar o jardim e encher de vida os dias quentes de verão de um velho e solitário mateador.

O ninho está... vazio?

Sim, o ninho está vazio. E agora? Onde está todo aquele futuro, onde está aquela família grande e unida que prometiam os manuais de felicidade lidos na juventude? Foi uma batalha, uma longa caminhada. As crianças pequenas, o trabalho, a escola das crianças, as tantas obrigações a serem cumpridas, as crianças e seus amigos, as solicitações, as crianças crescendo, as necessidades aumentando, o tempo cada vez mais curto para fazer tudo e de repente... Puf! Ninguém mais em casa. Um filho foi estudar no exterior. O outro casou e foi morar na cidade onde trabalha. A filha trabalha e estuda, quase não pára em casa, porque tem seus amigos, sua vida social. E o ponto de chegada, aquilo que seria a coroação de uma vida bem sucedida, virou solidão. Cada um foi cuidar de si e agora você vai cuidar de quem? Resposta rápida e certeira: de você mesma. Queridas mulheres do meu Brasil: abram os olhos e olhem à sua volta. Há tantos desafios esperando por vocês! Lembra daquele curso que você queria fazer, mas nunca teve tempo (e nem dinheiro, porque a escola das crianças estava em primeiro lugar)? Pois é a hora de se informar, se encorajar e se inscrever. E aquelas atividades todas que você só via as pessoas fazendo na televisão, como academia, yoga, natação, um passeio mais prolongado, uma faculdade. Aquele trabalho voluntário que você sempre achou tão bacana e não podia assumir, por falta de tempo. A Liga Feminina de Combate ao Câncer, a APAE, ou qualquer outra entidade precisam de pessoas para digitar notinhas da campanha “A Nota é minha” ou para alguns serviços administrativos. Não sabe digitar, nunca mexeu em computador? Tá cheio de cursos na cidade, que você poderia se matricular e assim descobrir algo novo. Seu marido e seus filhos acham que é bobagem, perda de tempo? Pode ser para eles, mas não para você. Os pássaros, quando os filhotes batem asas, ainda voltam ao ninho uma ou duas vezes, mas apenas para ver se não ficou ninguém para trás. Depois alçam novos vôos...
Sim, o ninho está vazio, porém você também não está mais dentro dele. O ponto de chegada também pode ser um ponto de partida. Assim, como numa estação de trem ou num aeroporto, se misturam a chegada e a partida, um ninho vazio é uma ótima plataforma de lançamento para uma viagem sem precedentes. Uma viagem em busca de você!

Benefícios indecentes

Quem representa o povo brasileiro? Foi a pergunta indignada do jornalista em rede nacional, entalada na garganta de muitos brasileiros quando o assunto é aposentadoria. O cidadão comum trabalha uma vida inteira, suando a camiseta e descontando religiosamente de seu salário todos os meses um percentual para garantir o direto à sua tão sonhada aposentadoria. Cumprido o tempo de serviço necessário, 35 anos, lá vai ele em busca do benefício. Quantas vezes precisa peregrinar à cata de documentos e comprovações, enfrentar filas e mais filas, cumprir exigências e aguardar, aguardar... Em se tratando de auxílio doença, então nem se fala. O caminho a ser percorrido pode se tornar um calvário. Não são poucas as situações em que pessoas realmente impossibilitadas de trabalhar, por motivos de doença, tem negado o benefício, porque a perícia conclui que “estão aptos para o trabalho”. Quem atua no Direito Previdenciário sabe das dificuldades de se obter a concessão desse tipo de benefício, tendo que muitas vezes se ingressar com ação judicial para que o segurado receba o que lhe é devido.
E aí, assistimos pasmos, a notícia de que ex-governadores e outros ex-qualquer coisa, ou pior ainda, filhos desses “ex” todos, recebem pelo resto da vida, aposentadorias que variam entre R$ 15 mil e R$ 24 mil por mês. Muitos exerceram o cargo por alguns meses ou até alguns dias apenas (sim, dias!!!). Aí não há Previdência Social que resista. O brasileiro de nível médio não consegue sequer imaginar uma discrepância destas. E ainda há os que se defendem dizendo que estão “dentro da lei”.
A OAB nacional resolveu ingressar no Supremo Tribunal Federal com ação contra pagamento de aposentadorias para ex-governadores, para cassar, suspender, extinguir esses benefícios e acabar com essa vergonha nacional. Política não é profissão, embora alguns pensem que sim. Política, fazemos todos nós, no dia a dia, cumprindo nossas obrigações e tarefas. Política fazem aqueles que se preocupam com o bem comum. E o que deveriam fazer alguns eleitos que buscam os cargos apenas no intuito de obter um benefício para si próprios, que se traduz, muitas vezes, apenas em resultados financeiros. Devem ser remunerados? Claro que sim. Mas penso que apenas enquanto no exercício dos cargos. Ou, quando muito, receber de acordo com as suas contribuições, como ocorre com todos. Por isso, é relevante a pergunta do jornalista: quem representa o povo? Será que essas aposentadorias milionárias refletem a realidade do povo brasileiro? Que classe privilegiada é esta que se julga acima do bem e do mal, para se considerar “dentro da legalidade”? Valores tão absurdos pagos a título de aposentadoria fazem falta à saúde e à segurança pública. Fazem falta para investimentos na educação. Pode até ser “legal” no sentido popular da palavra. Quem não acharia “legal” receber quinze mil reais por mês, sem esforço? Pode ser muito legal. Mas não é nada justo.