domingo, 20 de fevereiro de 2011
Um livro não lido
Uma história que não aconteceu. Um livro fechado é uma porta da vida que não se abriu. A possibilidade que ficou na expectativa. Aquilo que ficou guardado sem coragem de ganhar vida. Algo que não teve a chance de se dar a conhecer. O livro traz latente o sentimento, a ação, um mundo diferente que se descortina a partir da imaginação. Mas não lido, ninguém saberá. Nunca. A viagem abortada, o encontro impossível, o mergulho não acontecido, experiência desconhecida. Certas vidas são assim. Não se deixam viver, não se relacionam com o mundo, com as outras pessoas. Permanecem fechadas em si mesmas, páginas não lidas de um livro indecifrável. E deixam de viver riquezas, deixam de se alegrar com coisas simples. Uma vida não vivida é um livro não lido. Aventuras, novas situações, talvez difíceis, mas movimentos que dariam a chance de desfrutar algo diferente. Verdades que não se quer encarar, desafios que se teme enfrentar. Não se sabe o que contem as páginas de um livro fechado, nada se sabe de uma vida que não se deixou acontecer.
A mais bela flor
Tem uma casinha em uma esquina da praia de Presidente que é a coisa mais fofa do mundo. Nela mora um senhor de seus setenta e tantos anos ou talvez mais. Mora de vez em quando, no verão. Seguidamente fica sentado, à frente da casa, tomando seu chimarrão, quase sempre sozinho. Às vezes, uma ou outra pessoa, talvez um neto ou um amigo lhe faça companhia. Mas muito raramente. Em anos passados, ele era visto todo arrumado, banho tomado, cabelo penteado e roupa no capricho, saindo em seu carrinho, quem sabe para ir dançar em algum baile da melhor idade. Muitas filhas de mães viúvas olhavam para o velho senhor, com o olho esticado: “bem que seria uma boa companhia para minha mãe...” Neste ano, antes de sua chegada à praia, a casa e o terreno estavam meio descuidados. Por um bom tempo, tudo fechado, o mato tomando conta. De repente, a grama apareceu cortada, as árvores podadas, a cerca foi refeita, a casa pintada e o jardinzinho bem cuidado. Ele sempre teve o costume de pintar flores na casa (é, flores). Desta vez, porém, pintou a casa de cores neutras e flores (muitas flores) na parede do muro alto que fica em um dos lados da morada. Entre o colorido das flores pintadas no muro, deixou uma parte sem desenhos e escreveu em letras quase garrafais: “Tu és a mais bela dentre todas essas flores.” Uau! Isso chamou a atenção dos que passavam por ali em direção da praia. O velhinho está apaixonado – era esse o comentário, entre sorrisos, de quem olhava todo o capricho daquele pedacinho de chão. Ou estaria ele passando uma “cantada” em alto estilo em todas as mulheres que transitavam por ali? Sim, porque ele continuava a tomar seu mate solito. Apenas notava-se que não se descuidava do trato pessoal, sempre bem ajeitadinho, alinhado que dava gosto. Um dia de manhã, ao voltar da caminhada à beira mar, percebi que, em frente àquela casa, uma vendedora de toalhas conversava com duas pessoas. Uma delas, o velho senhor. Junto dele, lá estava ela: “a mais bela flor” tinha chegado. Uma senhora também já entrada em anos, de uma delicadeza e de uma singeleza de sensibilizar o coração mais endurecido... Um jeito de quem sabe o que a vida ainda pode lhe oferecer, uma dignidade e ao mesmo tempo um ar de sapeca se misturavam naqueles semblantes matinais... Se o amor existe na terceira idade, era ali que estava morando naquele momento. Tudo fez sentido, de repente. A preparação, as flores, a mensagem, a espera, a chegada da bem amada e aquela alegria estampada no olhar de ambos. Não pude deixar de voltar, depois, e retratar essa imagem, que elegi como uma das mais lindas declarações de amor que alguém já fez. Linda, porque singela... Gravada na simplicidade de um muro, com traços feitos de esperança, na intenção de saudar aquela que viria para alegrar o jardim e encher de vida os dias quentes de verão de um velho e solitário mateador.
O ninho está... vazio?
Sim, o ninho está vazio. E agora? Onde está todo aquele futuro, onde está aquela família grande e unida que prometiam os manuais de felicidade lidos na juventude? Foi uma batalha, uma longa caminhada. As crianças pequenas, o trabalho, a escola das crianças, as tantas obrigações a serem cumpridas, as crianças e seus amigos, as solicitações, as crianças crescendo, as necessidades aumentando, o tempo cada vez mais curto para fazer tudo e de repente... Puf! Ninguém mais em casa. Um filho foi estudar no exterior. O outro casou e foi morar na cidade onde trabalha. A filha trabalha e estuda, quase não pára em casa, porque tem seus amigos, sua vida social. E o ponto de chegada, aquilo que seria a coroação de uma vida bem sucedida, virou solidão. Cada um foi cuidar de si e agora você vai cuidar de quem? Resposta rápida e certeira: de você mesma. Queridas mulheres do meu Brasil: abram os olhos e olhem à sua volta. Há tantos desafios esperando por vocês! Lembra daquele curso que você queria fazer, mas nunca teve tempo (e nem dinheiro, porque a escola das crianças estava em primeiro lugar)? Pois é a hora de se informar, se encorajar e se inscrever. E aquelas atividades todas que você só via as pessoas fazendo na televisão, como academia, yoga, natação, um passeio mais prolongado, uma faculdade. Aquele trabalho voluntário que você sempre achou tão bacana e não podia assumir, por falta de tempo. A Liga Feminina de Combate ao Câncer, a APAE, ou qualquer outra entidade precisam de pessoas para digitar notinhas da campanha “A Nota é minha” ou para alguns serviços administrativos. Não sabe digitar, nunca mexeu em computador? Tá cheio de cursos na cidade, que você poderia se matricular e assim descobrir algo novo. Seu marido e seus filhos acham que é bobagem, perda de tempo? Pode ser para eles, mas não para você. Os pássaros, quando os filhotes batem asas, ainda voltam ao ninho uma ou duas vezes, mas apenas para ver se não ficou ninguém para trás. Depois alçam novos vôos...
Sim, o ninho está vazio, porém você também não está mais dentro dele. O ponto de chegada também pode ser um ponto de partida. Assim, como numa estação de trem ou num aeroporto, se misturam a chegada e a partida, um ninho vazio é uma ótima plataforma de lançamento para uma viagem sem precedentes. Uma viagem em busca de você!
Sim, o ninho está vazio, porém você também não está mais dentro dele. O ponto de chegada também pode ser um ponto de partida. Assim, como numa estação de trem ou num aeroporto, se misturam a chegada e a partida, um ninho vazio é uma ótima plataforma de lançamento para uma viagem sem precedentes. Uma viagem em busca de você!
Benefícios indecentes
Quem representa o povo brasileiro? Foi a pergunta indignada do jornalista em rede nacional, entalada na garganta de muitos brasileiros quando o assunto é aposentadoria. O cidadão comum trabalha uma vida inteira, suando a camiseta e descontando religiosamente de seu salário todos os meses um percentual para garantir o direto à sua tão sonhada aposentadoria. Cumprido o tempo de serviço necessário, 35 anos, lá vai ele em busca do benefício. Quantas vezes precisa peregrinar à cata de documentos e comprovações, enfrentar filas e mais filas, cumprir exigências e aguardar, aguardar... Em se tratando de auxílio doença, então nem se fala. O caminho a ser percorrido pode se tornar um calvário. Não são poucas as situações em que pessoas realmente impossibilitadas de trabalhar, por motivos de doença, tem negado o benefício, porque a perícia conclui que “estão aptos para o trabalho”. Quem atua no Direito Previdenciário sabe das dificuldades de se obter a concessão desse tipo de benefício, tendo que muitas vezes se ingressar com ação judicial para que o segurado receba o que lhe é devido.
E aí, assistimos pasmos, a notícia de que ex-governadores e outros ex-qualquer coisa, ou pior ainda, filhos desses “ex” todos, recebem pelo resto da vida, aposentadorias que variam entre R$ 15 mil e R$ 24 mil por mês. Muitos exerceram o cargo por alguns meses ou até alguns dias apenas (sim, dias!!!). Aí não há Previdência Social que resista. O brasileiro de nível médio não consegue sequer imaginar uma discrepância destas. E ainda há os que se defendem dizendo que estão “dentro da lei”.
A OAB nacional resolveu ingressar no Supremo Tribunal Federal com ação contra pagamento de aposentadorias para ex-governadores, para cassar, suspender, extinguir esses benefícios e acabar com essa vergonha nacional. Política não é profissão, embora alguns pensem que sim. Política, fazemos todos nós, no dia a dia, cumprindo nossas obrigações e tarefas. Política fazem aqueles que se preocupam com o bem comum. E o que deveriam fazer alguns eleitos que buscam os cargos apenas no intuito de obter um benefício para si próprios, que se traduz, muitas vezes, apenas em resultados financeiros. Devem ser remunerados? Claro que sim. Mas penso que apenas enquanto no exercício dos cargos. Ou, quando muito, receber de acordo com as suas contribuições, como ocorre com todos. Por isso, é relevante a pergunta do jornalista: quem representa o povo? Será que essas aposentadorias milionárias refletem a realidade do povo brasileiro? Que classe privilegiada é esta que se julga acima do bem e do mal, para se considerar “dentro da legalidade”? Valores tão absurdos pagos a título de aposentadoria fazem falta à saúde e à segurança pública. Fazem falta para investimentos na educação. Pode até ser “legal” no sentido popular da palavra. Quem não acharia “legal” receber quinze mil reais por mês, sem esforço? Pode ser muito legal. Mas não é nada justo.
E aí, assistimos pasmos, a notícia de que ex-governadores e outros ex-qualquer coisa, ou pior ainda, filhos desses “ex” todos, recebem pelo resto da vida, aposentadorias que variam entre R$ 15 mil e R$ 24 mil por mês. Muitos exerceram o cargo por alguns meses ou até alguns dias apenas (sim, dias!!!). Aí não há Previdência Social que resista. O brasileiro de nível médio não consegue sequer imaginar uma discrepância destas. E ainda há os que se defendem dizendo que estão “dentro da lei”.
A OAB nacional resolveu ingressar no Supremo Tribunal Federal com ação contra pagamento de aposentadorias para ex-governadores, para cassar, suspender, extinguir esses benefícios e acabar com essa vergonha nacional. Política não é profissão, embora alguns pensem que sim. Política, fazemos todos nós, no dia a dia, cumprindo nossas obrigações e tarefas. Política fazem aqueles que se preocupam com o bem comum. E o que deveriam fazer alguns eleitos que buscam os cargos apenas no intuito de obter um benefício para si próprios, que se traduz, muitas vezes, apenas em resultados financeiros. Devem ser remunerados? Claro que sim. Mas penso que apenas enquanto no exercício dos cargos. Ou, quando muito, receber de acordo com as suas contribuições, como ocorre com todos. Por isso, é relevante a pergunta do jornalista: quem representa o povo? Será que essas aposentadorias milionárias refletem a realidade do povo brasileiro? Que classe privilegiada é esta que se julga acima do bem e do mal, para se considerar “dentro da legalidade”? Valores tão absurdos pagos a título de aposentadoria fazem falta à saúde e à segurança pública. Fazem falta para investimentos na educação. Pode até ser “legal” no sentido popular da palavra. Quem não acharia “legal” receber quinze mil reais por mês, sem esforço? Pode ser muito legal. Mas não é nada justo.
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